27 de junho de 2009

Fita Amarela


Fernanda Abreu em um programa da Globo News disse que Michael Jackson tem o mesmo valor de uma Isadora Duncan para a História da Dança. Eu, que sempre fui fã do aclamado rei do pop, nunca tinha pensado assim. Mas concordo com essa afirmativa. Principalmente depois de ouvir o depoimento de Deborah Colker a respeito de como ele se expressava quando dançava, do uso das várias partes do corpo, da criatividade e inovações.

Falar de Michael é complicado, não tenho o devido distanciamento. Quando criança imitava seus passos, até a idade adulta ouvia e cantava suas músicas. Ainda canto. Lembro de um especial sobre música onde João Marcelo Bôscoli dizia que Billie Jean é a melhor música de todos os tempos e que ele evitava ouví-la para que não perdesse o encanto. Passei a imitar João Marcelo. Concordava com ele. Lamentei muito o período de decadência de Michael Jackson. E agora me assombro com a proporção que tomou a notícia de sua morte. Gostaria que as pessoas tivessem feito tudo aquilo antes de ele morrer. Cantando nas ruas, imitando o ídolo, se descabelando, chorando, gritando, permanecendo em silêncio. Agora não adianta nada. Pelo menos eu não acredito que ele esteja assistindo a todas essas manifestações. Não sou espírita. Seja como for, preferia que ele tivesse morrido consciente de sua importância histórica. Acredito que nem ele tenha pensado em sua contribuição para a história da dança, tampouco sobre seu status de transformador de estéticas à altura de alguém como Isadora.

Pensei que pudesse passar incólume a toda a comoção de sua morte. Mas como membro da área de dança, não tenho o direito de fazer silêncio agora. Não vou também ficar arrancando meus cabelos e não cheguei a derramar lágrima, embora tenha ficado com os olhos cheios delas em alguns momentos. Fiquei triste sim. Mas coloco o assunto aqui, muito mais no sentido de despertar reflexões. Também não vou postar fotos dele no blog. Mesmo porque não saberia escolher uma foto que o representasse dignamente nesse momento. Enfim, fica aqui minha contribuição. Sem muitas delongas, sem choro, nem vela, nem uma fita amarela. Se bem que Fita Amarela, a música de Noel Rosa, bem cabe nesse espaço. Observem como pode se aplicar ao caso:

Quando eu morrer

Não quero choro nem vela

Quero uma fita amarela

Gravada com o nome dela


Se existe alma

Se há outra encarnação

Eu queria que a mulata

Sapateasse no meu caixão

(Oi, sapateia, oi, sapateia)


Não quero flores,

Nem coroa com espinho

Só quero choro de flauta,

Com violão e cavaquinho


Estou contente

Consolado por saber

Que as morenas tão formosas

A terra um dia vai comer


Não tenho herdeiros

Não possuo um só vintém

Eu vivi devendo a todos

Mas não paguei nada a ninguém


Meus inimigos

Que hoje falam mal de mim

Vão dizer que nunca viram

Uma pessoa tão boa assim


Quero que o sol

Não visite o meu caixão

Para a minha pobre alma

Não morrer de insolação




22 de junho de 2009

Dançar é...


Ontem vi as chamadas para o detestável "A Dança Pega" e deu uma coceira nos dedos para postar aqui mais críticas em relação ao tal programa. Insatisfeitos em esculhambar somente a prática, agora resolveram atacar a parte conceitual da arte de dançar. Colocam frases do tipo "dançar é ser livre", "dançar é sensual", "dançar é o máximo!" e outras maravilhas do marketing contemporâneo. Já não bastava ser a exibição de um programa de 2006? Pensam o quê? Que porque somos brasileiros podemos consumir seus enlatados vencidos em canais fechados de televisão? Pagamos para ver aquelas performances de péssimo gosto em uma competição? Nunca fui a favor das competições de dança. Porque quem perde sempre é a dança. Sem contar a autoestima dos dançarinos que escorre pelo ralo em situações como esta. Não sei se vocês viram, mas houve um programa onde um jurado falou para um dos concorrentes que ele dançava tão mal que deveria ter vergonha e nunca mais se apresentar em público. Uma pessoa que emite uma opinião dessas deveria ser banida dos meios de comunicação. Mesmo o mais desengonçado dos seres humanos tem o direito de dançar e também de se apresentar em público. Mas o que importa nem é isso. Importa muito, para mim, o fato de mais uma vez a dança ser utilizada como veículo para destruir a autoestima das pessoas, instrumento de tortura física e psicológica (física sim, porque muitos saem lesionados dessas malditas competições) e arma para julgar, rotular, qualificar, valorar pessoas e seus corpos, ahhhhh... Que @#%$¨¨$%$!!!!!!!...

Bem, para descontrair, proponho que vocês, em seus comentários completem a frase:
Dançar é...

12 de junho de 2009

Baba Zula: estou babando!


Que tipo de cegueira ou idiotice se apossou de meu ser nesses 13 anos durante os quais permaneci ignorante da existência de um grupo como o Baba Zula? Saber da atuação de artistas dessa magnitude na Turquia teria me poupado saliva quando abria a boca e desgastes nos dedos quando teclava para criticar a estética turca de dança do ventre.

Baba Zula surge como um oásis em meu deserto de informações, demonstrando ser possível manter a estética da dança do ventre e aliar música, artes visuais, performance art, poesia, teatro de animação, computação gráfica, inovações de figurino, em apresentações ritualísticas com um look pra lá de contemporâneo. E fazem isso desde 1996!

Graças a um scrap de uma amiga preciosa de orkut, também ávida pesquisadora da área, pude saber da existência de um movimento artístico-cultural belo, inovador que me enche de esperança, inspiração e vontade de conhecer pessoalmente essas criaturas dotadas de uma energia impressionante!





Eu, que estava prestes a melhorar meus conhecimentos sobre a língua árabe para fazer nova incursão ao Egito, penso que talvez seja o caso de estudar o idioma turco e voltar minhas atenções e economias para uma visitinha a Istambul. Vamos?

Para saber mais sobre Baba Zula: www.babazula.com

4 de junho de 2009

ENTREVISTA COM MAHMOUD AL-MASRI


Com mais de um ano de atraso, publico aqui a entrevista que realizei com esse egípcio fascinante para meu livro, porque até agora não consegui finalizá-lo para a publicação e considero muito importante divulgar essas informações preciosas que consegui. Obrigada, Mahmoud!


20/03/2008


Mahmoud El Masri é o nome artístico de Mahmoud Hassabou, um egípcio radicado no Brasil há 28 anos. Com excelente pronúncia e apenas um resquício do sotaque árabe, devido à longa permanência no Brasil, Mahmoud falou com propriedade sobre a dança do ventre em uma entrevista de pouco mais de uma hora de duração.

Segundo Mahmoud, falar sobre dança do ventre é algo muito complexo. Principalmente no Brasil, onde muita gente se ofende com as críticas desse egípcio que é um profundo conhecedor dessa arte milenar. Ele considera um privilégio poder falar abertamente sobre todos os assuntos aqui e compara nossa liberdade de expressão às restrições de seu país de origem. “Na minha terra isso é uma coisa um pouco mais rara, mais difícil... Poder expressar da forma que a gente se expressa aqui. Então se eu vivo aqui, um dos maiores motivos é que eu me sinto mais livre, sou um cidadão e posso falar, elogiar, reclamar e me expressar”. Seguem os trechos principais da entrevista.


Sobre o ensino da dança do ventre nos países árabes

Em primeiro lugar, em vários países árabes a dança do ventre era e ainda é proibida. Onde não havia proibição, o ensino dessa dança foi realizado tradicionalmente pelos homens e não por mulheres. Eram coreógrafos. Existiam apenas coreografias. Não existiam professoras porque a dança do ventre, a meu ver, é a dança da sensualidade, e a sensualidade ninguém ensina. Acho que cada mulher no momento em que está dançando tem sua linguagem própria, seu jogo de quadril, o uso das mãos, sua expressão, cada uma tem um olhar diferente, um sorriso diferente, tem seus passos específicos, tudo é diferente. E se uma professora quiser que ela dance igual a ela, ela perde todo o lado sensual da dança. Há alunas que se destacam, mas isso não quer dizer que precisam ser lapidadas. Acho que se pode lapidar sim, mas o principal é a sensualidade. A dança também pode ter uma conotação sexual, dependendo do tipo de dança. Até pode ser dança do ventre, se a pessoa quiser dançar para o marido ou namorado num quarto, acho que tudo é válido. Vivemos num país diferente, num país livre, cada um faz o que quer. Expressamos muito as opiniões aqui, eu acho que a questão do sexo no Brasil é mais esclarecida, sem dúvida. Os pais conversam muito sobre sexo com os filhos, nas escolas existem aulas sobre isso, propagandas do governo federal. Em comparação ao mundo árabe o Brasil é muito mais aberto em relação a isso.

Para nos referirmos à dança do ventre que é dirigida ao público em geral, é necessário perceber o que há ao redor dessa dança: tradição, costumes, hábitos, modos de dançar, maquiagens, música, ritmo, harmonia, luz, som, palco, platéia. Aqui no Brasil não há essa preocupação. Aqui é a professora, a aluna e ponto final. Considero muito pobre essa visão. O ensino da dança não pode de maneira nenhuma ser rígido. Pode até haver uma rigidez em relação aos horários, essas coisas básicas. Mas expressar uma alegria, eu acho que isso não se ensina. A pessoa sorri espontaneamente, e quando a gente sorri espontaneamente o sorriso é muito mais bonito do que se uma pessoa te ensinar a sorrir. Então são coisas totalmente diferentes. Sentimento ninguém ensina. Essa alegria vem de dentro.


Opiniões críticas sobre a prática da dança do ventre no Brasil

Aqui, algumas vezes, as dançarinas estão mais preocupadas com a estética corporal, em usar roupas transparentes e então fogem da tradição, do costume, acabam caindo na vulgaridade. A dança acaba perdendo a beleza de ser tradicional e estar em um país totalmente democrático. Aqui não existem tradições tão antigas. O Brasil tem 500 anos de idade, é um bebê perante o mundo inteiro. E aqui temos misturas de todo o mundo. Por isso tem gente bonita. Misturas de culturas que procuram preservar as tradições. No sul, os descendentes de alemães e italianos quando em suas danças típicas mantêm a tradição. Não alteram suas roupas típicas achando que precisam mudar os costumes porque vivem num país livre. Nas colônias alemãs as maquiagens, trancinhas nos cabelos, vestidos longos e bem grossos, permanecem sendo utilizados. Até por causa das temperaturas frias da Alemanha se dança com aquelas roupas. E mesmo vivendo no calor daqui nunca substituíram as roupas por algum tecido bem fino... Com as outras culturas acontece a mesma coisa, seja entre os japoneses, chineses, latinos ou russos que estejam morando aqui. Mas quando o assunto é dança do ventre acontece a falta de respeito às tradições. Arrasam a dança. E quando eu tento expressar minha opinião algumas dançarinas respondem que aqui é um país livre e democrático... Muitas delas só se preocupam em se mostrar super sexy... Mas se perguntarmos aos casais e outras pessoas do público o que eles pensam sobre a dança do ventre, muitos vão dizer que é vulgar. Algumas mulheres não querem que o marido assista ao show porque muitas bailarinas quando dançam exibem uma sexualidade que incomoda. Acho que essa mentalidade estragou a dança do ventre aqui no Brasil. E acabou estragando a dança nos próprios países de origem. Estão viajando daqui para lá, com o objetivo de estragar por lá também. E conseguem, tentando dizer que é uma abertura...



Da relação entre professoras e alunas

Em minha opinião, a dança do ventre não chega a ter nem dez passos. Mas para prender as alunas, as professoras demoram anos para ensinar esses dez passos. Agora, eu me pergunto: quem tem mais dificuldade? A professora ou a aluna? Eu não sei. Porque se em um ou dois anos não aprendem dez passos... A professora não consegue ensinar dez passos em dois anos... E isso é um tempo médio, tem gente que demora três, quatro, cinco anos e quando vai dançar ainda não consegue. Outras aprendem, mas quando você olha, elas não estão dançando, são cópias das professoras. Até o sorriso é igual, até o andar é igual. Querem imitar a professora. Aí, quando estão dançando elas não existem, são outras pessoas...

As bailarinas querem modernizar a dança do ventre, mas escolhem nomes artísticos entre os nomes árabes tradicionais. Por que não passam a usar nomes modernos, cibernéticos? Desmoralizam a dança, mas querem ser tradicionais em alguns pontos. Existem muitos equívocos em relação à dança do ventre.

Eu ministro um workshop, mas ele é único. Não dá pra repetir porque não há mais nada o que ensinar. Apenas um já é suficiente. A dança surgiu, foi criada e desenvolvida e está aí. Esse ensinamento é único. Não tem mais o que inventar. É como as notas musicais. Só precisamos de sete notas para compor uma música, na escala tradicional. A dança do ventre é simples assim. Como o alfabeto que já é suficiente para comunicar. E a partir desse repertório temos a possibilidade de criar. É isso que vale! Aperfeiçoar o que você tem, o dom que você tem. Aprenda o básico!


A importância da música e das tradições

No caso específico da dança do ventre, música e expressão corporal nunca podem se separar. São duas coisas em fusão. A harmonia depende das duas coisas juntas.

No Brasil, com essa tendência de misturar várias manifestações acontecem coisas inadequadas. O khaleege, por exemplo, passou a ser uma dança separada, mas não existe kaleege separado. É um folclore onde não existem danças individuais. Esquecem-se das tradições, não estudam o contexto cultural dos países onde as danças são praticadas. Procuram se informar apenas sobre o que está na moda em termos de dança e pronto! Tudo o que movimenta o corpo é considerado dança e fim de papo! Não é por aí. Têm que saber história, tradição, costumes, hábitos. A falta desse aprofundamento dá margem à criação desses equívocos como o que acabei de citar.

No nordeste do Brasil, as mulheres ficam na beira do rio cantando, existem os repentistas, os homens na lavoura... E no mundo inteiro existem esses cantos, alguns para passar o tempo, etc. Até os soldados, cantam em seus treinamentos. Exércitos do mundo inteiro cantam. A música está em qualquer lugar onde a gente anda. Muito importante e as outras coisas se encaixam nela. Os sons... Tudo é musica.


Sobre os problemas do aprendizado e outros comentários

Acho que nós somos modernos, tentamos ser modernos, mas existe o lado racional de pensar, entender. Eu vejo tanta gente inteligente aprendendo dança do ventre, mas eu calculo assim: existem muitos tipos de seita que tentam conquistar adeptos com falsas promessas. Alguns são enganados por essas seitas ou por pessoas, de todas as formas. Às vezes uma pessoa quer vender alguma coisa e te engana. Mas a gente tem que prestar atenção. Se eu for enganado em algum lugar, vou ter mais cuidado em relação àquele lugar. Mas eu vejo muita gente aqui que fala que tem tantos anos aprendendo a dança do ventre e tem vergonha de se apresentar, diz que não sabe dançar, nunca dançou. Eu vejo como se essas pessoas estivessem sendo enganadas. E o tempo passa, mundo anda e ela não está percebendo isso tudo. É isso que eu vejo. Muitas bailarinas que dançam e levaram um tempão pra aprender a dançar.

Não quero falar muito sobre bailarinas do Egito porque, como eu acabei de falar, danças do ocidente foram para lá e acabaram contaminando. Contaminaram com isso que eu digo, modernizaram, colocaram o lado sexual mais importante do que qualquer coisa. Existe uma grande diferença entre a sexualidade e a sensualidade. Sensualidade é sutil e a exposição da sexualidade não é adequada para estar na dança voltada para o público. As bailarinas precisam tomar cuidado com os olhares, os sorrisos de um jeito diferente para as pessoas que assistem. Não confundir a dança com um jogo de sedução. Definitivamente a bailarina não está ali para seduzir os homens.

Então vemos as danças. Tudo bem. Aí passam a ensinar aquilo que nunca se dança. Muitas professoras falam: “vou ensinar tal dança”, mas essa dança não existe, não se dança. Ela vai ensinar para os alunos. Mas por que ela vai ensinar, se ela mesma não dança ou nunca dançou essa dança específica?

Também falam de danças folclóricas e confundem com outras danças. Temos que prestar atenção. O que é dança? Em qualquer parte do planeta terra tem gente que dança, cada um do seu jeito. Então eu não posso pegar a imagem do vizinho, que eu vi dançando na varanda, e dizer que eu vou inventar a “dança da varanda do vizinho”. Isso não funciona! Temos que selecionar as danças que encantam.


Das danças folclóricas

Existem danças folclóricas tão bonitas! São dançadas no mundo inteiro. Mas existem danças que não fazem parte desse grupo. Danças regionais de lugares tão pequenos... Não digo que esses lugares e essas danças não valem nada, não é com essa a intenção que eu falo. Eu falo porque elas não são reconhecidas artisticamente, porque têm mais ritual do que dança, propriamente. Não podemos confundir rituais com danças. Se quisermos mostrar a dança das lavadeiras, por exemplo, temos que representá-la num contexto. Não apresentar a dança como uma coisa isolada, mas como parte de uma cena específica, que pode ser elaborada artisticamente.

Vamos falar sobre o Líbano. Você sabia que hoje temos muito mais libaneses no Brasil do que no próprio Líbano? A dança folclórica libanesa é o dabke, conhecida no mundo inteiro. Uma dança marcante. Com essa dança muitas coisas são festejadas. Ela tem uma marcação forte. O dabke se criou na área do Líbano, Síria, Palestina, em todos esses locais se dança o dabke. Mas o dabke libanês é mais coreografado. A música é preparada exclusivamente para essa dança.

Temos também o saidi: dança folclórica egípcia, até as mulheres da dança do ventre dançam saidi. Aqui as pessoas preferem as danças provocativas. Então, vêm e escolhem a dança da melea laef. E o que é melea laef? Melea laef é uma coisa de respeito. Era uma roupa que se usava tempos atrás, um estilo de roupa, um véu preto enrolado no corpo. Até hoje em muitos países da áfrica usam-se tecidos enrolados no corpo em vez de tecidos costurados. Em alguns países usam a seda. São costumes. Só que a prostituição, que é uma prática muito antiga, se utilizou desse artifício para incrementar as provocações. Algumas mulheres andavam com o melea laef para os portos, aonde chegavam navios de outros países. Sempre houve muita prostituição nos portos, é uma prática conhecida. Onde tem porto, tem prostituição, desde o tempo dos profetas... Então as prostitutas iam mostrar o corpo pra seduzir os homens, com roupas de dormir por baixo... É essa a dança que se mostra aqui. Essa realidade sempre existiu.

A roupa que se usa por baixo do véu melea laef nas danças representadas aqui é uma camisola. A maioria dessas mulheres que iam aos portos usava camisola. Mas muita gente usava melea laef, não quer dizer que era roupa de prostituta. Então melea laef qualquer pessoa usava. Só que as prostitutas usavam para dançar e provocar. Também existiam outras mulheres que usavam esse tipo de roupa em danças folclóricas. Mas o que é representado aqui no Brasil é a imagem da prostituta. Não é o lado folclórico da melea laef. As duas manifestações têm a mesma origem, mas cada uma se desenvolveu de modo diferente.

Aqui, as mulheres dançam fazendo gestos para imitar aquelas mulheres dos portos, sem saber o que estão realmente representando. Não tenho nada contra que se criem peças de teatro para representar a prostituição, mas não precisa da dança do ventre. Para isso, acho que aqui existe muita abertura, existem vários locais onde se pode representar todo tipo de história. Quem quiser pode criar coreografias que mostrem as danças das prostitutas, mas, por favor, não misturem essas representações com a dança do ventre! Isso denigre a imagem da própria bailarina que está dançando e achando que está fazendo bonito. É por essas e outras que a opinião do público do Brasil é de que a dança do ventre está relacionada à prostituição... E isso não sou eu que digo não, eu quero que qualquer professora pergunte ao público o que eles acham, mas não vale entrevistar os pais das alunas, os maridos, as amigas, os familiares, as pessoas que já estão habituadas com essas apresentações. Entrevistem pessoas que não fazem parte desse universo. Quero dizer, a maioria das pessoas que assiste. O que elas vão achar? Vamos perguntar se alguma mulher gosta que o marido vá sozinho assistir dança do ventre? E por que não?


Considerações finais

Eu não concordo com a teoria de que a dança do ventre no Brasil virou moda. Não, para mim não é moda. Virou comércio, uma forma de lucrar. Mas não é moda, nem tradição. Nem sensualidade. E acho que se ensina muito mal. Por que grande parte das bailarinas não sabe que música está tocando, quem é que está cantando, qual instrumento está sendo tocado. Eu quero saber se existe um cantor que não saiba o nome dos instrumentos que estão no palco em que ele canta. Não existe isso! Quem quer ser músico tem que saber o nome dos instrumentos. O mínimo que a bailarina devia saber é o nome da música. Poucas sabem. Mas a maioria fala “eu quero dançar a música número sete!”. Dizem que não sabem o nome das músicas e acham isso normal.

Quando a gente for ensinar dança do ventre tem que ensinar primeiramente a música. Eu costumo falar que a gente dança conforme a música... Dança do ventre tem que ter musica. Se não tem música não tem dança. Pode ter música árabe sem a dança, mas não pode existir dança do ventre sem música. Veja como isso é fundamental, quem for dançar tem que aprender a música. É muito fundamental, o básico dos básicos. A primeira coisa é a música. Ela vai dar inspiração para dançar, ela vai modelar a bailarina que está na sua frente, é com base na música que se faz a coreografia, com ela a dança começa e termina. A dança ensinada no Brasil exclui a música. Consideram importante para o ensino apenas falar dos passos: shimmy, camelo, básico egípcio e pronto. Só falam isso.

Muitas bailarinas falam que é difícil aprender sobre as músicas, mas acham fácil ir a São Paulo fazer roupas novas, comprar um pedaço de tecido, pedrinhas, lantejoulas, e tal. Vasculham a cidade para comprar uma roupa, mas quando o assunto é música, enchem de dificuldades. Para mim, quem tem boca vai a Roma. Dançar é muito simples se você aprender a música. Você vai dançar sozinha, com certeza. Precisa de uma orientação, mas você pode dançar sozinha com a música, sem uma professora, sem saber nada de dança do ventre. Dançará do seu jeito, porque estará entendendo a musica. A música pode te proporcionar essa experiência. Agora imagine se você ainda puder entender o que a musica está dizendo! Imagine o que ela poderá proporcionar. Mas tem bailarina que fala “nossa essa música é uma delícia!”, mas não sabe a letra. E mesmo sem saber nada diz que é linda. Imagine se ela souber o significado do que está tocando, em cada parte o que a música diz... Todas as músicas falam alguma coisa, têm história, por isso foram feitas. Se existe letra, mais ainda. A expressão é mais clara ainda. Mas aqui não se fala sobre isso, não se entende nada sobre isso. Temos que entender como funcionam as coisas, aqui só se mexe o corpo. E quando se mexem querem fazer tudo de forma exagerada. Muitas vezes usam os pontos mais baixos que podem colocar dentro da dança como destaque. Esquecem da simplicidade, da beleza da dança, da suavidade, da sensualidade, esquecem de tudo isso. Colocam agressividade, sexualidade, exageros, vulgaridade.

Agora está na moda inventar danças exóticas para ensinar como novidade. Acho que não precisavam inventar a dança de peneirar trigo na Jordânia. Com todo respeito à Jordânia, mas o que peneirar trigo tem a ver com dança? A dança de recolher feijão da terra? Não existem essas coisas... Vamos pelo mais tradicional. Vamos dançar um dabke, por exemplo, que tem coreografias bonitas, vamos ensinar danças folclóricas árabes, egípcias, temos tantas danças folclóricas lindas, então é isso que eu quero dizer.

Eu não sei se eu peço, se eu rezo ou desejo, ou se eu imploro que possamos olhar para a dança de uma forma diferente. Devemos olhar a dança como arte. Não como quebra-galho ou algo que vai acabar com complexos de inferioridade. Tem gente que dança porque tem complexo com o corpo e a dança do ventre pode curar isso. São coisas que terapeutas vão resolver. Se quiserem usar a dança como terapia, usem, mas não com o público. Usem como terapia pra vocês. Agora não procurem expor suas terapias. Ninguém tem nada a ver com suas doenças. Muitas são doentes. A bailarina não tem que se preocupar só com ela, não. Ela tem que se preocupar com ela e com quem vai assistir à sua dança. Mas no Brasil se preocupam muito com as próprias fantasias...

Não se pode desmoralizar uma dança milenar. A dança do ventre não pertence mais aos países árabes. Ela pertence à humanidade. Nós não estamos fazendo comédia. Temos que respeitar as tradições e os costumes!