12 de janeiro de 2010

O velho e bom Aiua!

Férias, início de ano novo, saudosismo... Estou nostálgica.
Encontrei a antiga página da web do meu velho e bom grupo Aiua! e me deu uma saudade imensa daqueles tempos!!!

Como gosto de ilustrar esse blog, resolvi contar umas historinhas daquele grupo.

Criei essa companhia de dança que passou a se chamar Aiua! Tribo de Dança em novembro de 1997. Estava com o saco estourando das coisas bizarras da área de dança do ventre e resolvi combater aquelas coisas feias, horrendas, ridículas, com uma boa dança. E funcionou por um bom tempo. Aiua! acabou em 2005. Transformou-se em outra coisa. Virou um método de dança. Mas penso que, assim como eu, Aiua! só está de férias. Porque revendo as fotos, pensei no imenso potencial que ainda resta a ser trabalhado.

Vejam só:


Uroboro - Serpente do Mundo

Uroboro faz parte do repertório da primeira formação do grupo. Temos um vídeo que um dia conseguirei colocar na web (ainda não disponho de conhecimentos suficientes para as conversões necessárias...). Éramos 14 integrantes: de dança, música, capoeira e teatro. Chegamos a trabalhar com artistas visuais, com projeções de slides, maquiagem corporal, confecções de figurinos especiais etc. Era 1998.

Tínhamos coreografias simples também, tenho fotos lindas daquele início... Dançando para milhares de pessoas na festa de encerramento do festival de cinema de Brasília em 1997, por exemplo. Vejam:



Vou fazer esse post pequeno, para desfrutar de outros posts sobre o Aiua! durante o ano que se inicia. É o ano do Tigre no horóscopo chinês. Sou tigre. Algo de bom deve sair dessa configuração. Quem sabe um Aiua! mais selvagem, mais tigrado, mais 2010 possa ser inaugurado, reinventado, renascido! Aiua! para todos nós.

5 de janeiro de 2010

Férias

Estou de férias!

Quem vive como eu quase nunca tira férias... Digo isso apesar de saber que algumas pessoas acreditam que vivo em férias permanentes por trabalhar com dança. Lembro de quando comecei a estudar na graduação: dança na universidade. Primeiro o espanto: existe isso? faculdade de dança?, depois o desdém: hum... deve ser muito gostoso, divertido, fácil etc... Costumava me irritar: fácil é o car%¨&*&%!!! gostoso é o cace#$%$#$*!!! Não interessa. É minha escolha e merecia ser respeitada. Hoje não tenho reação. Deve ser porque há tempos venho treinando não reagir à vida, mas agir.

Então, estar de férias é estranho porque meu trabalho costuma ser no mínimo extravagante. Vejam:
  • Eu não tenho um horário fixo para acordar e pode ser que algum trabalho vá até mais tarde ou comece muito cedo... Ou seja, rotina pra mim é não ter uma rotina de repetição;
  • Tenho muito tempo para pensar em mim. O trabalho com arte exige um certo ócio criativo e uma dedicação primorosa ao ser que cria. Preciso me tratar bem;
  • Não tenho um patrão. Trabalho para mim;
  • Posso estar em um local fechado, aberto, grande, pequeno, privado, público, na minha cidade, em outra cidade, no ambiente virtual, em qualquer lugar; e isso não é modo de dizer... é a minha realidade;
  • Costumo rir, chorar, extravasar a raiva, falar coisas sem sentido. Meus laboratórios criativos sempre são muito expressivos;
  • Leio muito;
  • Como diz o Osho, faço milagres: quando tenho sono durmo, quando tenho fome como (leiam o velho "guru" louco barbudo para entender essa);
  • Alongo meus músculos com freqüência;
  • Dedico certo tempo a atividades aeróbicas;
  • Dedico alguns momentos para ficar ao sol;
  • Dedico algumas noites para desfrutar do luar;
  • Tomo banhos de chuva.
Ora, não é para que me invejem que escrevo isso. Mesmo porque devo lembrar: não tenho FGTS, vale-transporte, 13° salário, auxílio-desemprego, ticket alimentação, plano de saúde institucional, previdência privada, nem férias! Por isso é espantoso que eu esteja de férias. Mesmo que tenha passado um fim de semana com R$7,50 no bolso. Estive pobre, feliz como nunca. Livre! Livre de que? De compromissos comigo mesma. Sim, porque o pior patrão é o nosso ego, sou perfeccionista. Não queiram imaginar como sou auto-exigente! Posso até sofrer auto-assédio-moral. Não, não sou esquizofrênica. Estou falando da realidade nada fácil e nada gostosa de ser empregada da dança, do amor à dança, da vida acadêmica, do eterno estudo, do eterno enfrentamento de si. Repito: não é fácil, não é gostoso. Mas não vou negar, é divertido!

Por isso não temos hoje um post sobre o tema desse blog. Apesar de isso ser uma contradição, já que tudo o que se refere a mim tem a ver com o tema deste blog, que é sobre a dança que eu quero. Contudo, vamos louvar minhas merecidas férias! Porque 2010 me reserva uma imensa e muito bem vinda carga de trabalho! Salam!

17 de novembro de 2009

O que é a dança do ventre?


Para começar: é dança do ventre ou Dança do Ventre? Dança do Ventre ou Dança Árabe? Dança Árabe ou Middle Eastern Dance? Middle Eastern Dance ou Raks el Sharki? Raks el Sharki ou Belly Dance? Belly Dance ou bellydance? Minha gente, isso importa?

As pessoas que estudam dança gostam de definições "toscas e bizarrescas" (para utilizar o título de um blog super interessante) para se apegar! Por sinal, a história da dança parece mais um agregado de almanaques de fofocas e outras informações que só interessam aos dançarinos que aparecem nelas. Muita gente de prestígio aponta que os críticos de dança foram os grandes responsáveis pelas compilações a respeito da dança ocidental. Eles e seus juízos e gostos. Porque se ficasse registrado que algo não era bom, ou que era maravilhoso, isso entrava para a história oficial.

Mas pra que estou me perdendo tanto? Para dizer que com a dança do ventre não é diferente. Aliás, pesquisar a dança do ventre é estar sempre à beira de uma armadilha. Eu caí em uma arapuca bem montada quando em 2005 saí divulgando que a "primeira" mulher a dançar a dança do ventre no mundo ocidental havia sido uma tal de Little Egypt. Me dei mal. A fonte de onde eu tirei a informação tinha citado outra fonte que citava a mesma fonte anterior. Estranho não? Uma metacitação? Tipo: eu combino com a Paula Cunha que a gente vai publicar que "não-sei-quemzinha" foi a primeira pessoa a dançar Khaleegee no Brasil. Aí eu coloco a Paula como minha fonte e ela me coloca como fonte dela. Foi tipo assim que aconteceu. Ainda bem que encontrei uma fulana disposta a desmentir essa história. Donna Carlton publicou um livro muito bem documentado, "Looking for Little Egypt". A conclusão: Little Egypt foi uma farsa bem montada!

Quando lancei a enquete "o que é dança do ventre", não imaginei que os resultados seriam aqueles. Ainda bem! Surpresa... 39% das pessoas afirmaram que a dança do ventre é uma dança árabe.

Ora, pessoal, e os outros? A Grécia, o Irã, a Turquia... A dança do ventre não é uma dança árabe, a cultura árabe faz parte dela, mas não a engloba. Ela vai além... Péeeeeinnn!!! Resposta errada!

32 % disseram que é uma dança sensual. Concordo! Bingo! É também.

As outras opções não foram muito expressivas, e algumas eram provocações.

Apenas 17% acertaram, respondendo a famosa NDA (nenhuma das anteriores). Por quê? Porque nenhuma das anteriores de fato consegue definir o que é a dança do ventre. Gosto da minha definição de que a dança do ventre é um "além", não se restringe a ser árabe, oriental, ocidental, sensual, porém é tudo isso e não é nada disso. Mesmo assim vale destacar algumas definições que considero bastante aceitáveis, principalmente do ponto de vista de quem define. A melhor de todas, para mim, é a de Anthony Shay:

Na prática, a dança solo improvisada, tanto para homens quanto para mulheres, é a forma primária de dança, com muitas variações individuais e locais, por todo o Egito. Essa forma de dança é talvez a mais mal interpretada tradição de dança no mundo. Em uma de suas numerosas formas é conhecida como dança do ventre, ou danse orientale ou raqs sharqi, como seu praticante preferir.

Adoro isso: "dança solo improvisada". Mas, novamente não basta. Estive recentemente em um palco. Experiência intensa, boa, excelente! Eu fiz uma dança solo quase improvisada, mas tinha ao redor um corpo de baile e diversas outras danças que compunham o espetáculo. Mais uma vez a dança do ventre vai além. Ela pode ser recriação de muitas coisas. Vi coisas lindas se materializando diante de mim: deusas egípcias da antiguidade representadas de inúmeras formas, mulheres lindas de todas as idades e tipos físicos se deleitando ao dançar, brincadeiras entre uma bailarina e um músico egípcio, que deixaram a platéia extasiada! Lindezas que só a dança do ventre é capaz de fazer. Viva o Ayuny (escola onde tenho dado aulas)! Viva Ankh (o espetáculo da escola)! Viva a dança!

E até a próxima enquete e o próximo post.

29 de outubro de 2009

O Silogismo é a Lógica do Extremista!


Uma amiga que está morando na Itália me enviou essa semana um email falando sobre "casamentos pedófilos do Hamas". O texto, mal escrito por sinal, continha explícitas referências preconceituosas em relação aos muçulmanos. Como dizia que a fonte da notícia era de um blog jornalístico, pensei: "Pôxa vida, esses jornalistas precisam de uma dose de antropologia para que se manifestem de um modo mais adequado". O artigo ainda vinha ilustrado com fotos e vídeos, mostrando noivas mirins com seus maridos na faixa dos 25 a 30 anos, crianças sofrendo abusos e relatos sobre o incentivo de tais práticas.

Fala sobre a mutilação genital e apresenta dados estatísticos sobre abusos contra crianças no Egito e na Jordânia, além de um suposto discurso do Aiatolá Khomeini. O tal discurso poderia ser comparado à tentativa de recriação de um trecho do kama sutra para pedófilos. Pesquisei na internet e encontrei o mesmo texto publicado na íntegra no blog "Salvação", cuja logomarca é uma cruz, que por alguma razão me fez lembrar da Ku Klux Klan. Procurei a fonte jornalística anunciada no blog, mas não encontrei. Até porque ando meio sem tempo. No site principal não havia um link disponível e pesquisar poderia demorar, se alguém quiser fazer isso, depois me manda o link, ok?

O que importa dizer aqui é aquilo que me fez parar de estudar para atualizar meu blog querido. As falas generalizantes que colocam TODOS os muçulmanos, TODOS os Árabes em um saco com o rótulo de "fanáticos religiosos", "terroristas" e agora "pedófilos" são pérfidas e apenas contribuem para que o senso comum fique recheado de preconceitos e sentimentos ruins, tendo a certeza de se tratar de verdade absoluta pois, ora bolas, está publicado e a fonte é jornalística! Para justificar tais idéias utilizam trechos de biografias deslocadas no tempo e no espaço. Justificaram a pedofilia, por exemplo, dizendo que Maomé se casou com uma menina de 6 anos. Esqueceram de dizer que isso aconteceu há mais de um milênio em um contexto cultural, social, político, geográfico e religioso completamente diferente do atual.

Pensei com meus botões que esse artigo fez algo horrendo e consegui alcançar uma analogia que me satisfez. O que o artigo sobre o Hamas faz, se compara a dizer que a pedofilia na Igreja Católica foi incentivada pela famosa frase de Jesus "deixai que venham a mim as criancinhas". Pode ser que eu seja atacada por algum fanático religioso após essa postagem, mas quem tiver o mínimo de inteligência saberá o que quero dizer com essa analogia. Mesmo assim, dou uma ajudinha para os menos favorecidos: podemos justificar qualquer coisa com qualquer argumento. É a famosa armadilha do silogismo: Maomé se casou com uma menina de 6 anos; casar-se com uma menina de 6 anos é pedofilia; logo: Maomé era pedófilo! E mais: Maomé é o pai da religiao islâmica, Maomé era pedófilo, logo: os muçulmanos são pedófilos.

Posso até ir mais longe. O que justifica os abusos contra crianças no Brasil? Alguma seita religiosa? NÃO! Por que existem casamentos de crianças na Índia? Porque eles são muçulmanos? NÃO! Por que um senhor de 112 anos se casou com uma adolescente de 17 na Somália? Será que a moça é gerontófila? NÃO! Por que alguns (muitos) pais fazem sexo com suas filhas? Porque gostariam de ser os Faraós do Egito? NÃO! Melhor parar por aqui...

Por fim, gostaria de anunciar que minha próxima postagem irá discutir os resultados da enquete que se encerrou há tempos sobre "o que é dança do ventre". Um assuntinho mais light! Até lá, queimemos nossos neurônios! Salam!


24 de setembro de 2009

Eu, eu mesma e os livros...

Estou empolgada com uma série de coisas, estudando muito e criando também.
Os livros me consomem, mudei de casa, muitas coisas mudaram... Por isso ando ausente do blog.
Pena!
Mas retorno em breve.

Estamos montando um espetáculo lindo no Ayuny, estreará no dia 22 de novembro.
O tema de minha dança é a deusa Isis e eu vou encarnar seu inimigo Seth. Está de acordo com meus sentimentos confusos do momento: Seth é um ser ambíguo que representa a dualidade humana e as lutas entre o bem e o mal. Estou me sentindo identificada com ele. Propensa a maldades e também a buscar o melhor dentro de mim.

Volto logo aqui para postar algo de qualidade para que vocês possam desfrutar.

30 de julho de 2009

A Mulher Invisível


Talvez não seja uma alegoria a invenção de uma super-heroína com esse codinome. A invisibilidade histórica feminina é um dos desafios da historiografia contemporânea, que tem buscado discutir as universalidades e localizar os excluídos das narrativas sobre o passado. A categoria Gênero surge no século XX para dar conta dessas discussões e uma das vertentes, chamada fenomenologia do mal no feminino, foi divulgada no Brasil pela pesquisadora Ivone Gebara. Ela mesma foi banida da igreja por desenvolver estudos teológicos sobre a natureza do mal relacionado ao feminino. Em seu livro Rompendo o Silêncio: uma fenomenologia feminista do mal (2000), a autora defende a idéia de que é preciso falar sobre o que nos oprime. Segundo suas palavras: "É pela memória que liberamos a palavra, que deixamos os mortos falar, que revivemos sofrimentos para denunciar o que nos impede de viver com dignidade" (p.48).

Mulheres como Eros Volúsia e Luz del Fuego no Brasil, Alessandra Belloni - italiana radicada nos Estados Unidos, Fifi Abdou - Egito, e Chandralekha - Índia, tornaram-se alvos de condenações pelo simples ato de incorporar a plenitude do feminino em seus trabalhos artísticos. Shahrazad - Palestina radicada no Brasil, também pode ser citada como exemplo. Todas elas encontraram a barreira inicial do ser mulher, o preconceito social do ser artista e um processo que costuma ser chamado de "demonização" porque abordaram temas femininos em seus trabalhos criativos. Para que vocês entendam melhor o que quero dizer, vou colocar abaixo uma resumida biografia de cada uma delas:

Eros Volúsia (1914-2004) - criadora de um estilo próprio que buscava resgatar a brasilidade, foi uma mulher revolicionária e é atualmente pouco lembrada e incompreendida. Abandonou a carreira prematuramente, devido a uma forte desilusão sobre suas perspectivas profissionais. Em 1941 foi capa da revista Life (foto).





Fifi Abdou (1953) - considerada uma das mais expressivas dançarinas do Egito, apresenta em suas danças o despojamento da sexualidade feminina. Porém, para ser valorizada como artista, em seu discurso se define como atriz e não como dançarina. Além disso, muitas profissionais da dança do ventre expressam sem nenhum constrangimento suas resistências ao trabalho dessa artista, desconsiderando seu talento por causa de suas performances espontâneas e extravagantes.





Luz del Fuego (1917-1957) - A "bailarina do povo" foi a precursora do feminismo e do naturismo no Brasil. Assumiu uma postura de vanguarda e enfrentou diversos preconceitos. Chegou a ser internada em manicômios por sua família, que não aceitava seu modo de viver e encarar a realidade. Foi assassinada quando vivia em retiro em sua ilha particular - a ilha do sol - onde criava animais e praticava o nudismo. Seu assassino - um pescador, não aceitou a recusa sexual de alguém que vivia nua e cercada por cobras. Ele interpretava a liberdade daquela mulher como um convite explícito ao sexo e, ofendido por ter sido rejeitado, a esfaqueou e jogou seu corpo no mar.





Alessandra Belloni - cantora, percussionista, dançarina e atriz, é uma das vozes mais importantes das tradicionais danças e músicas do sul da Itália. Seu trabalho consiste em resgatar tradições e rituais por meio de criação musical e produção teatral. É diretora da trupe "I Giulliari Di Piazza" em Nova Iorque desde 1979. Enfrentou sérias resistências a seu trabalho de resgate do papel feminino na Tarantela, principalmente por parte de mulheres jovens italianas.





Shahrazad - nascida em Belém - Palestina, de nome Madeleine Iskandarian iniciou sua carreira como dançarina aos sete anos de idade. Veio para o Brasil em 1979 e desenvolveu um trabalho de divulgação do que ela chama "dança do leste" também conhecida como dança do ventre. Passando por períodos de angústia ao ver seus ensinamentos deturpados país afora, atualmente sobrevive vendendo vídeos e livros. Algumas de suas ex-alunas desenvolveram carreiras de sucesso, enquanto a mestra, pioneira na abordagem dessa dança no Brasil, muitas vezes sequer é citada.






Chandralekha - renomada dançarina e coreógrafa que revolucionou e revitalizou a dança indiana. Na década de 1960 sofreu grande desilusão, sentiu-se desvalorizada e abandonada. Voltou-se para questões humanitárias e feministas. Lutou pelo ideal de reinterpretar o corpo e com coragem reinventou a identidade das mulheres artistas na Índia, com muita dificuldade. Em 1985 retornou ao cenário da dança, desenvolvendo um trabalho com identidade própria.




Essas mulheres são provas (vivas ou mortas) de que ser mulher, artista e abordar o feminino não é fácil. Sofreram resistências, discriminação, oposições, opressão, todo tipo de angústia, desgosto, desconforto... Por isso, quando encontro um blog como o da Liana (citado no post anterior), fico triste. Penso que devemos dar visibilidade a histórias como as dessas mulheres que lutam. Dar voz a suas lutas e danças. Como diz Sara Lopes na tese Diz isso cantando! - A vocalidade poética e o modelo brasileiro (1997):

A necessidade de algo concreto nas palavras associa-se à paixão do processo criativo do artista: as palavras devem ser os sentidos, devem ser as emoções para poderem revelar a profundidade da condição humana (p.29).

Sendo assim, cara Liana, aqui me despeço de você e desejo do fundo do coração que sua amargura seja curada e você possa usar suas palavras com melhores finalidades. Namastê!

19 de julho de 2009

Dialogando com o Blog da Liana


Dia desses recebi um email de uma conhecida que indicava a leitura de um texto sobre dança, mais precisamente um post sobre dança do ventre em um blog. O nome do blog é bastante sugestivo: Life is a Drag. A autora é uma loira, chamada Liana. Fake ou não, Liana é bastante corajosa em expor tudo o que pensa sobre o mundo, as pessoas e o universo. Dei uma olhada no post sobre dança e em outros sobre as mulheres. E resolvi abrir um espaço aqui para dialogar.

Liana, você me trouxe à lembrança um pré-projeto que escrevi em 2001 onde eu me propunha a resgatar a dignidade da dança feminina. Peguei o velho esboço, estou com ele aqui no colo e decidi que é um bom momento para publicar algumas das idéias que estavam ali e que não tiveram espaço para se desenvolver - o projeto foi rejeitado pelo Programa de Pós-Graduação em História da UnB.

Na introdução eu dizia que minha experiência como mulher e artista era repleta de tensões, conflitos e questionamentos, que os anos de pesquisa gestual sobre o universo feminino no contato com as danças de orixás e na prática da dança do ventre me proporcionaram a percepção de que algumas manifestações femininas vinham sofrendo processos de descaracterização. Em 2001 identifiquei que esses processos consistiam basicamente no esvaziamento de sentido, na vulgarização e/ou na apropriação masculina dos papéis que eram essencialmente femininos.

No texto utilizei citação retirada do artigo "De Iyá Mi a Pomba-Gira: transformações e símbolos da libido" de Monique Augras, onde a partir de imagens míticas que se referem ao poder genital feminino a autora afirma que a difusão das representações brasileiras contidas nas religiões de origem africana

têm sofrido processo de progressiva pasteurização(...). Assim é que os
terreiros tradicionais de candomblé mantêm o culto dos deuses em toda

sua complexidade - embora de modo bastante discreto no que se refere

aos aspectos mais ameaçadores da sexualidade feminina -, enquanto a

umbanda parece ter promovido, em torno da figura de Iemanjá,
um
esvaziamento quase total do conteúdo sexual. (2000: pg.15)

Além desse trecho, citei as lutas travadas por algumas mulheres para conservar ou resgatar tradições e rituais em oposição à postura de outras mulheres que se comportavam como agentes opressores. Chamei esse comportamento de "aderência" ao opressor, referindo-me a termo de Paulo Freire e dei como exemplo o trabalho de Alessandra Belloni para resgatar a Tarantella da Calábria Italiana como dança ritual erótica e selvagem de purificação e cura. Belloni encontrou entre suas maiores opositoras as mulheres jovens, por incrível que pudesse parecer. Essa rejeição fortaleceu o trabalho dessa cantora e dançarina genial que passou a refletir sobre a necessidade de libertar essas jovens mulheres das teias sociais de repressão que elas mesmas ajudavam a tecer.

Não foi difícil pular da teia de Alessandra Belloni para a de Freud que em psicanálise abordou o "enigma da feminilidade" sugerindo que as mulheres inventaram a tecelagem para cobrir sua nudez e esconder o que nada tinham a esconder, utilizando a imagem da aranha que tece para representar o símbolo da mãe fálica.

Onde quero chegar com tudo isso, prezada Liana? Você já já vai entender... Após passar por Freud, dou uma parada na psicologia moderna para falar sobre a resistência ao arquétipo da grande mãe, utilizando para isso um texto de Carlos Byington: Dimensões Simbólicas da Personalidade (1988). Esse autor diz que a Inquisição causou uma dissociação entre a objetividade e a subjetividade, transformando os componentes subjetivos do saber em crenças supersticiosas e fontes de erro, enquanto o pólo objetivo tornou-se a única fonte possível de verdade. Em seguida, Liana, chego perto de você: afirmo que os obstáculos encontrados pelas mulheres que ousam trilhar o caminho que leva ao resgate da figura da grande mãe são variados e incluem a depressão, o desânimo e a discriminação. Você ainda foi além porque agregou os fatores competição e destruição! Parabéns! Só que... Pelo que pude notar, você não está do lado do feminino ao se posicionar, mas contra ele. Estranhei, mas cada um se manifesta como quer e pode. Aliás, eu deveria ter desconfiado quando li os slogans em seu blog "Pela volta dos loucos ao hospício" e "Só a lobotomia salva". Repito: corajosa essa tal de Liana! Em plena era de movimento antimanicomial (da qual sou adepta), levantar uma bandeira dessas requer bastante coragem. Pode também ser um pedido de ajuda, não? Porque a depender da interpretação, uma das primeiras a vestir a camisa-de-força seria você mesma, querida. Estou enganada? Nem me atrevo a negar que eu estaria também entre os primeiros candidatos a ocupar o pinel!

De todo modo agradeço a oportunidade e anuncio que o próximo post deverá continuar nessa linha, porque quero falar sobre mulheres maravilhosas que amargaram em suas vidas e carreiras simplesmente porque optaram por trilhar o caminho do feminino. É o caso de nós duas, colega Liana. Ainda bem que peguei uma bifurcação e meu caminho separou-se do seu há algum tempo!